PARECER
LITERÁRIO
“SEXO
COM LÚCIFER – APAIXONADA PELO DIABO”
Obra
de Daiane Martins Jung (2020)
Por Eduardo Banks
Escritor,
Jornalista, Filósofo e Bacharelando em Letras e Literatura Portuguesa
Alma
Mater:
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO)
Concluí,
na madrugada de 2 para 3 de fevereiro de 2021, a leitura do magistral “Sexo com
Lúcífer - Apaixonada pelo Diabo” (293 páginas, ISBN 978-65-88367-73-5), e
deixarei algumas — positivas — observações.
A
primeira, é que, com certeza, a autora Daiane Martins Jung NÃO É “ESQUIZOFRÊNICA”,
estando equivocado qualquer pretenso “diagnóstico” feito por psiquiatras incipientes
que a atenderam (v. pág. 33, e seguintes).
O
senso de realidade da autora, ao longo de toda a narrativa, está perfeitamente
preservado, e seus próprios questionamentos sobre a sua experiência, que eu
chamaria de “paranormal” (sem querer com isso contraditar a autora, que a chama
de “sobrenatural”), indicam a preservação do SENSO CRÍTICO de uma pessoa moral
e mentalmente sadia, o que seria inexistente, se as suas visões e demais
experiências tivessem origem psicótica, o que fica evidenciado em suas altercações
com Lúcifer, Miguel e outras entidades “demoníacas” ou “angélicas”, onde ela externa
suas desconfianças e temores, o que não ocorre na esquizofrenia, onde o
paciente aceita acriticamente a tudo o que as “vozes” lhe sugerem, até
mesmo o que for contrário à moral comunal.
Por
exemplo, à pág. 258, a autora declara que retrucou a Lúcifer que “[p]refiro
morrer pobre e acima de tudo com a consciência limpa!”, ao lhe ser proposto que
poderia obter “fama e fortuna” se sacrificasse um bebê, o que, tendo
contrariado o ethos da autora, foi de imediato por ela repelido. Pessoas
esquizofrênicas fazem qualquer coisa que lhe for sugerida pelo seu inconsciente
colapsado, o que não é o caso da autora. Suas resistências a certas propostas
de Lúcifer demonstram que preservou a sua sanidade, à margem de que para mim,
indicam serem também um “teste” do próprio Lúcifer para que a autora tanto se
conheça a si mesma, como para sentir até onde ela é capaz de ir. Ao se negar a
fazer coisas contrárias à razão e aos seus valores éticos, a autora foi
aprovada por Lúcifer (o qual, para mim, jamais se comprazeria no sacrifício de
um bebê, e somente queria que a autora se negasse a participar disso, para
demonstrar que é digna dele).
As
manifestações descritas como visões, e até “efeitos físicos” como a
movimentação de objetos e o relacionamento sexual com demônios, se inserem no background
religioso da autora, e não interferem com suas atividades cotidianas (a autora
inclusive refere exercer trabalho autônomo produtivo, em que ganhava dois mil
reais por semana, ou mais, o que revela estarem preservadas as suas interações
sociais e motivação para o desempenho de suas atividades), o que constitui um
eixo para a moderna psiquiatria afastar o diagnóstico de qualquer transtorno
mental ou comportamental em relação aos chamados “médiuns”. Suas dificuldades
de relacionamento para estabelecer amizades podem ser mero traço de sua
personalidade, quiçá mais introspectiva, sem nenhum comprometimento ou
patologização.
Quanto
à suspeita de “transtorno afetivo bipolar associado com personalidade
borderline”: observo que comportamentos auto-destrutivos como a auto-mutilação
são sintomas presentes no transtorno de personalidade limítrofe ou “bordeline”,
mas não são exclusivos do transtorno de “borderline”. Embora seja comum que
pessoas “borderlines” se auto-mutilem, nem todos os auto-mutiladores são “borderlines”,
e a prática desses comportamentos na autora irrompeu em meio a situações-limite
que ela vivenciou, não indicando que seja um traço determinante de sua
personalidade.
Evidentemente,
eu precisaria ter um conhecimento mais pessoal com a autora, para concluir definitivamente,
após conhecê-la, se é ou não portadora de algum transtorno mental ou
comportamental, entretanto, se o tiver, sê-lo-á em decorrência de experiências
de sua primeira infância, anteriores ao início das “manifestações”, e algo
totalmente independente dos fenômenos psíquicos por ela relatados. Entenda-se:
uma pessoa com algum transtorno mental pode estar passando por uma experiência
paranormal, da mesma forma como isso é possível para uma pessoa considerada “normal”
e “sã” para os padrões da sociedade. Essas coisas não são auto-excludentes, e
seria açodado e até ignorante concluir que o fenômeno descrito seria produto de
alguma espécie de “alienação mental” tomado com base no “histórico psiquiátrico”
da autora.
A
anorexia (fl. 287), também foi “episódica”, e já superada, embora a autora
ainda precise ter auto-controle para não reincidir no comportamento auto-lesivo,
que ela mesma reconhece ter sido prejudicial, e sem que tivesse recebido auxílio
psicológico ou psiquiátrico, o que mais uma vez, indica ser alguém que, ao dialogar
de forma crítica consigo mesma, não se insere na perspectiva da “loucura”.
Passando
ao exame textual da obra.
Tudo
o que li é muito coerente com todo o meu conhecimento pessoal de demonologia,
notadamente o “Tratado dos Anjos” inserido na Parte Primeira da “Suma Teológica”
de Santo Tomás de Aquino (1274), o “Malleus Malleficarum” (1484), de Heinrich
Kramer e Jacobus Spranger, a “Vida de Santa Teresa de Jesus” (1562) e, mais
recentemente, a “Summa Daemoniaca” do Padre José Antonio Fortea (2004), que
compila e encerra toda a literatura medieval e renascentista sobre demonologia
e exorcismos. Sem mencionar exaustivamente as obras de Eliphas Levi e Aleister
Crowley, e os grimórios apócrifos e pseudo-epígrafos como verbi gratia as
“Clavículas de Salomão”.
A
autora relata ter abandonado os estudos, parece que no 8º ano do Ensino
Fundamental, a julgar pela idade de 16 anos em que os fenômenos se
intensificaram, conforme pág. 19 e o atestado de pág. 33, este quando a autora
já tinha 18 anos (observo que eu mesmo somente concluí o Fundamental com a
idade de 30 anos, o Ensino Médio aos 32, e ainda não obtive o certificado de meu
curso universitário de Literatura e Língua Portuguesa, iniciado também aos 32),
e sua escrita demonstra o emprego descuidado da linguagem caracterizado pela
pessoa de pouca instrução acadêmica.
Os
(muitos) erros de ortografia, ressaltados pela ausência do trabalho de um
revisor para o livro, evidenciam isto, e para mim, servem como argumento em
prol da veracidade do relato, pois, se a obra fosse escrita em um português
muito escorreito, eu suspeitaria de alguma “fraude literária” perpetrada por
algum estudioso do ocultismo no mesmo nível que o meu, porém essa suspeita se
torna difícil, quando constato que a autora não se demonstra versada na
literatura própria sobre a matéria.
Alega
ter aprendido tudo com o próprio Lúcifer, de auditu, tendo escrito uma
obra que exigiria o conhecimento de todas as leituras acima indicadas, apenas
como bibliografia primária, para que um “acadêmico” a produzisse.
Nesse
estado, é de causar espécie que a autora detenha, sem possuir maior instrução
formal, um conhecimento sobre u'a matéria que eu mesmo somente adquiri,
mediante leituras, ao longo de mais de vinte anos, desde o ano de 1998.
Passemos
ao exame lingüístico, da escrita da autora.
Constato
que a cognição da autora deve ser fundamentalmente pelo sentido da audição, de
onde constrói o seu vocabulário, aliado a uma boa memória. Talvez não seja
muito apta a aprender pela leitura, evidenciado pelo seu “bloqueio” em ler os
textos que Lúcifer “psicografa” por intermédio dela.
Observo
isto, também por seus erros de escrita, que indicam que ela aprende mais
ouvindo do que lendo. Por exemplo, à pág. 29, a autora escreve “é o meu extinto”,
equívoco que repete inúmeras vezes ao longo do texto. Por óbvio, ela quis dizer
“é o meu INSTINTO”, porque “extinto” significa “aquilo que deixou de existir”,
e “instinto” é a tendência inata que animais e seres humanos têm para
alguma atividade, mas que, decerto que pelo som da pronúncia sulista do meio
que rodeia a autora (gaúcha de Novo Hamburgo-RS), as palavras “instinto” e “extinto”
devem lhe soar como idênticas, o que a faz confundi-las na escrita, porque
aprendeu “de ouvido”.
A
concordância verbal é correta, indicando a preservação da gramática interna
segundo os preceitos de Noam Chomsky; uma “lei” da moderna lingüística, é que
os falantes de um idioma sempre mantêm o emprego correto (ou o mais próximo do “correto”,
dentro da “variação lingüística” regional do idioma que empregam) dos verbos e
pronomes, ainda quando não possuem estudos avançados, porque isto pertence à
própria lógica da língua; apenas pessoas que possuem graves danos em suas
faculdades cognitivas deixam de usar a lógica interna do idioma ao se exprimir.
Quanto
aos diálogos, percebo a mesma espontaneidade e autenticidade da prosódia da
autora em seus vídeos divulgados em redes sociais, ante a presença de acentos e
marcas de entonação característicos da fala da autora, os quais me transmitiram
a percepção de que ela está realmente transcrevendo as passagens de memória e
escrevendo-as da mesma forma como costuma falar.
Alguma
influência do subconsciente da autora pode se pressentir, por exemplo,
quando à pág. 270, a autora relata ter dito a Lúcifer que “realmente, o senhor
é insano”, depois que Lúcifer lhe propôs seduzir sexualmente a Miguel;
depois, pág. 274, Miguel emprega duas vezes da mesma palavra (“sei que foi
outra idéia insana do Lúcifer” e “a sua insanidade”), o que pode
ser (não o afirmo categoricamente) uma repercussão da primeira afirmação da autora
de que Lúcifer é “insano”, fortalecida pelo “super-ego” que seria representado
por Miguel, no afã deste de enfraquecer o Id, representado por Lúcifer.
Passemos
a um breve exame “estrutural” da narrativa.
A
autora descreve sua experiência com demônios, inclusive de cunho sexual; relata
ter passado por “oscilações” na maneira como lidou com essa experiência,
ficando propensa, em algumas fases, a renunciar à amizade e relacionamento com
os demônios, e (re)converter-se ao cristianismo; seus medos e dúvidas quanto à “fiabilidade”
de Lúcifer a impeliram a duvidar, por várias vezes, da validade desses
relacionamentos.
A
autora, porém, termina a sua narrativa de uma forma INÉDITA em literatura desta
natureza, que lhe confere um GRANDE VALOR: ela conclui a obra optando,
voluntariamente, pelo seu amor a Lúcifer, e após as crises no relacionamento
com o seu amante “sobrenatural” (eu diria “eviterno”, porque os demônios compartilham
de nossa “contingência” no ser, como “irmãos mais velhos” da Humanidade, embora
experimentem o tempo de forma diferente), mostra-se ainda mais “apaixonada pelo
diabo” do que no início da narrativa, onde ainda se encontrava abalada por
dúvidas e receios quanto à validade do caminho que seguira.
Se
o livro tivesse terminado em uma “retratação” do satanismo, com uma “escolha
final” da autora pelo “Deus” cristão, o livro não teria valor nenhum; seria
mais uma obra “devocional” de um “ex-satanista arrependido” fazendo um “testemunho”
destinado à conversão de outras pessoas ao cristianismo, o que me encheria de
asco e desdém, aliado ao sabor agri-doce de ter lido uma coisa falida, como a
conclusão do romance “Acte”, de Alexandre Dumas Filho, o qual terminei a
leitura com vontade de chorar, e gritar de repulsa.
Daiane
Martins Jung me “brindou” com o relato de uma satanista coerente com sua
escolha e trajetória de vida, que no fim venceu, e triunfou sobre as pressões
para se tornar cristã, pressões que lhe vinham da própria genitora, da família
paterna, do meio social e da cidade provinciana em que se criou, e ainda expôs
as fraudes e até crimes dos ministros dessa religião infausta (inclusive
revelando que um “pastor” abusou sexualmente dela durante um “exorcismo”, e
outro tentou usá-la para se promover na cidade, o que alerta o leitor contra a
periculosidade das igrejas).
Tive
o prazer de ler uma grande obra ocultista, em que o descuido da sua escrita
serve como argumento em prol da espontaneidade e autenticidade de
seu relato, mais como prova de sua força do que de alguma “fraqueza”, e que
tenho a honra de tombá-la sob o número 683 da relação particular que faço,
desde os 14 anos, de todos os livros que concluí a leitura.
Autorizo,
plenamente, à autora Daiane Martins Jung reproduzir, divulgar e utilizar deste
parecer, como bem lhe aprouver, isenta de qualquer ônus.
Rio
de Janeiro, 3 de Fevereiro de 2021.
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Eduardo
Banks dos Santos Pinheiro
Jornalista
MTb 31.111/RJ
No
meio literário “EDUARDO BANKS”