quinta-feira, 7 de novembro de 2019

REVISTA BANKSIA - NOVEMBRO DE 2019 - NÚMERO 37

EXMO. SR. DR. PROCURADOR GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA PARAÍBA

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

EDUARDO BANKS DOS SANTOS PINHEIRO, brasileiro, solteiro, Escritor e Jornalista Profissional MTb 31.111/RJ, inscrito no CPF sob o nº. 080.129.077-55, residente e domiciliado na [OMISSIS], vem a presença de V. Ex.ª ofertar

 

R=E=P=R=E=S=E=N=T=A=Ç=Ã=O

 

Em face das normas da LEI MUNICIPAL Nº. 7.280, DE 17 DE JULHO DE 2019, do Município de Campina Grande, aduzindo a sua inconstitucionalidade material e formal, pelas seguintes razões:

 

I — DOS FATOS:

 

O objetivo do ora Representante é pleitear do Exmo. Procurador Geral de Justiça que proponha representação de inconstitucionalidade (art. 125, § 2º da Constituição Federal e artigo 105, inciso I da Constituição Estadual) em face da totalidade da Lei Municipal de Campina Grande nº. 7.280, de 17 de Julho de 2019, que, sendo de iniciativa parlamentar (Vereador Saulo Noronha), “PROPÕE A LEITURA BÍBLICA NAS ESCOLAS PÚBLICAS E PRIVADAS DO MUNICÍPIO DE CAMPINA GRANDE E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS.”, porque houve violação da competência do Chefe do Executivo e invasão da autonomia pedagógica das escolas particulares, além de MALFERIR A LAICIDADE DO ESTADO.

 

A referida Lei M 7.280/2019 resultou do Projeto de Lei nº. 067/2018, de iniciativa do Vereador Saulo Noronha, mais parecendo que visava a uma “demonstração de força” da bancada evangélica e/ou do eleitorado que mantém esses parlamentares com seus mandatos, uma vez que o Município de Campina Grande mal tem dinheiro para manter suas escolas públicas funcionando, porém pretende fazer da BÍBLIA — pasme Vossa Excelência — fonte de material didático para ministrar conteúdos sobre “conhecimento cultural, geográfico e científico, fatos históricos bíblicos” (sic), tanto na rede pública quanto na rede particular, e ainda impondo ao Poder Executivo que regulamente essa excrescência em 60 (sessenta) dias.

 

Como cediço, a “Bíblia Sagrada” é assaz imprecisa tanto em Geografia quanto em Ciências, e foi escrita em uma fase do desenvolvimento da Humanidade em que a História ainda não havia sido sistematizada, devendo ficar a sua leitura restrita às igrejas e institutos religiosos que a adotam por uma questão de fé. Quanto aos aspectos culturais, as “Sagradas Escrituras” repercutem apenas os valores judaico-cristãos, sendo redutor para a infância e juventude adquirir lições escolares tomando como se fosse um exemplo supremo a produção de uma cultura regional e periférica que, ao contrário da Greco-Romana, não fundou as bases da civilização.

 

A Lei Municipal impugnada é pedagogicamente NOCIVA, sendo capaz de provocar nos estudantes de Campina Grande um retorno à ignorância e à superstição, em lugar de aprenderem as conquistas da Ciência contemporânea, que coloca homens na Lua, mapeia o DNA e investiga o desenvolvimento das estruturas do Universo desde bilhões de anos atrás, sendo todas essas descobertas ignoradas, quando não negadas, por um escrito religioso que começou a ser redigido no tempo do faraó Ptolomeu II Filadelfo (Século IV antes da Era Vulgar) e concluído sob o reinado do Imperador Domiciano (Século I da Era Vulgar), onde é afirmado ser plana a superfície da Terra, e que todo o Universo teria “começado a existir” (sic) há parcos 5.780 anos.

 

Para a norma impugnada, não é importante que as escolas públicas e privadas ensinem a aventura do conhecimento humano a partir de Nicolau Copérnico, Isaac Newton, Charles Darwin, Albert Einstein, etc.; o “DESTAQUE” é todo para a Bíblia Sagrada, a pretexto apenas de ser “o primeiro livro impresso no mundo”, o que a rigor, deveria fazer dele, e justamente por isso, também o mais desatualizado, além de ser um livro que, a despeito de se prestar a referências literárias ou ter influenciado obras de arte (pintura, escultura) também se presta ao proselitismo religioso, havendo nítida tentativa de SACRALIZAR O ESTADO BRASILEIRO por intermédio de uma norma de iniciativa viciada.

 

II — DAS NORMAS INCONSTITUCIONAIS:

 

É o seguinte o texto integral da Lei Municipal em apreço, publicada no “Semanário Oficial” do Município de Campina Grande, nº. 2.638 (26 a 30 de Agosto de 2019), página 13, acesso no endereço eletrônico https://campinagrande.pb.gov.br/wp-content/uploads/2019/09/SEMAN%C3%81RIO-OFICIAL-N%C2%BA-2.638-26-A-30-DE-AGOSTO-DE-2019.pdf (doc. anexo), em que o Município retirou dos estudantes o direito à Educação, e acenou a estes com o obscurantismo:

 

LEI Nº. 7.280, DE 17 DE JULHO DE 2019.

 

PROPÕE A LEITURA BÍBLICA NAS ESCOLAS PÚBLICAS E PRIVADAS DO MUNICÍPIO DE CAMPINA GRANDE E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS.

 

O PREFEITO MUNICIPAL DE CAMPINA GRANDE, faço saber que a Câmara de Vereadores aprovou e eu sanciono a seguinte

 

LEI

 

Art. 1º - Fica denominada a “Leitura Bíblica” nas escolas públicas e privadas do Município de Campina Grande, onde visa trazer o conhecimento cultural, geográfico e científico, fatos históricos bíblicos.

 

Art. 2º - O Poder Executivo regulamentará a presente Lei, no que couber, no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, contado de sua publicação.

 

Art. 3º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

 

Art. 4º - Revogam-se as disposições em contrário.

 

ROMERO RODRIGUES

Prefeito Municipal

 

III — DAS INCONSTITUCIONALIDADES APONTADAS:

 

Como se pode ver claramente, a Lei Municipal de Campina Grande nº. 7.280, de 17 de Julho de 2019 (de autoria parlamentar) invade a competência legislativa do Poder Executivo, ao dispor sobre órgãos públicos (“escolas públicas”) e privados (“escolas particulares”) violando, no primeiro caso, a harmonia e independência do Poder Executivo face o Legislativo (artigo 6º., caput da Constituição do Estado da Paraíba), e no segundo, a livre iniciativa dos diretores e responsáveis pedagógicos pelas instituições privadas de ensino.

 

Propor às escolas privadas (particulares) que ministrem “leitura bíblica” aos seus alunos pagantes de mensalidades implica em malferir vilanicamente aos “valores sociais do trabalho e da livre iniciativa”, expressamente previstos já no artigo 1º da Constituição do Estado da Paraíba. Lei Municipal não pode disciplinar conteúdos da grade curricular de escolas particulares, que têm a discricionariedade de seguir a linha pedagógica que melhor entenda quem nelas desempenhe a função de orientador, dentro dos parâmetros da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, inclusive até mesmo serem confessionais, na forma do § 1º do artigo 19 da Lei Federal nº. 9.394, de 20 de Dezembro de 1996, ou proibirem em seu interior o ensino de qualquer religião.

 

Quanto às escolas públicas, são vinculadas à Secretaria Municipal de Educação, não podendo um vereador “propor” ou sequer “sugerir” mediante projeto de lei os conteúdos curriculares que os professores ministrarão aos seus alunos, ante o que dispõe o artigo 63, § 1º., inciso II, alínea “e da Constituição do Estado da Paraíba (iniciativa privativa do Prefeito nas leis que disponham sobre “criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública”), estando a Lei Municipal de Campina Grande nº. 7.280, de 17 e Julho de 2019 viciada em sua iniciativa; a rigor, se o Vereador Saulo Noronha que a propôs, e o Prefeito Romero Rodrigues, que a sancionou, tivessem estudado Geografia, Ciências e História a sério quando eram crianças, não acreditariam em nenhuma das estorinhas, concessa magna reverentia, que estão escritas na Bíblia, e depois de adultos e investidos de seus mandatos eletivos, não imporiam a sua ignorância rotunda aos estudantes de Campina Grande.

 

O Princípio da LAICIDADE ESTATAL, insculpido no artigo 6º., § 6º, inciso I da Carta Estadual é malferido pelo artigo 1º da Lei Municipal que, ainda que dissimulando seu caráter proselitista com a expressão “propõe”, como se não fosse impositiva e cogente como qualquer norma jurídica, a prática de “leitura bíblica”, sendo certo que o vereador autor da proposição não apresentou nenhuma iniciativa para implementar no Município de Campina Grande o ensino obrigatório sobre História e Cultura Afro-Brasileira previsto nos artigos 26-A e 79-B da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, incluídos pela Lei Federal nº. 10.639, de 9 de Janeiro de 2003.

 

Ademais, uma vez que a direção de uma escola pública entendesse de ministrar “leituras bíblicas”, os alunos ficariam obrigados a participar delas, inclusive os que não são cristãos, para seu enorme constrangimento. A Lei incriminada, portanto, finge não compelir os estudantes à “leitura bíblica”, quando na realidade, desloca a função de “pregador” para a própria direção dos estabelecimentos de ensino, seguindo o conselho de Nicolau Maquiavel, no Capítulo XIX de “O Príncipe”, de que “os príncipes devem transferir as decisões importunas para outrem, deixando as agradáveis para si”, querendo dizer que as medidas coercitivas e impopulares devem ser executadas não pelo próprio príncipe, mas sempre se utilizar de funcionários de hierarquia inferior para esse fim.

 

Nunca é demais repetir o teor da norma constitucional que assegura a neutralidade do Estado perante o fenômeno das diversas confissões religiosas, pedindo licença o signatário desta para consignar que é ATEU, e que sua posição filosófica e epistêmica goza da idêntica proteção constitucional que as diversas ofertas de fé religiosa:

 

Art. 6º [OMISSIS]  

 

§ 6º É vedado ao Estado:

 

I - edificar templos religiosos, promover cultos, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração;

 

Trata-se de reprodução, quase com as mesmas palavras (exceto pela expressão “de interesse público”), do dispositivo inserto no artigo 19, inciso I da Carta Magna; porém, como não é possível atacar lei municipal com base em dispositivo da Constituição Federal, imprescindível se faz a propositura de Representação de Inconstitucionalidade perante o Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba, foro próprio onde as aberrações saídas das Câmaras Municipais e Prefeituras encontram a devida correição perante o Judiciário.

 

O artigo 2º impõe o prazo de 60 (sessenta) dias para o Poder Executivo regulamentar a lei, o que é comezinho exemplo da inconstitucionalidade por quebra da harmonia e independência entre os Poderes da República (artigo 6º., caput da Constituição Estadual), uma vez que lei de iniciativa parlamentar (vereador Saulo Noronha) não pode criar obrigações para a Administração.

 

Os artigos 3º e 4º não possuem conteúdo normativo, tratando apenas da cláusula de vigência da norma incriminada e da revogação tácita das leis que com ela conflitarem (decerto que a Constituição Federal e também a Estadual, data venia).

 

Quanto ao próprio escopo visado pela Lei impugnada, de oferecer “conhecimento cultural, geográfico e científico, fatos históricos bíblicos”, ela se mostra contrária ao interesse maior da formação acadêmica da infância e da juventude, como se pode ver de apenas alguns versículos a seguir extraídos do Antigo e do Novo Testamento.

 

A “Sagrada Escritura” é péssima fonte de cultura, por refletir os costumes de uma sociedade bárbara e atrasada, mesmo em comparação com as civilizações dos Egípcios e Assírios, ainda mais recuados no tempo do que os israelitas dos tempos bíblicos:

 

Levítico, Capítulo 13, versículo 20:

“Se um homem dormir com outro homem, como se fosse mulher, ambos cometerão uma coisa abominável. Serão punidos de morte e levarão a sua culpa.”

 

A Bíblia é extremamente falha e imprecisa em Geografia, tanto que os especialistas que se dedicam à Arqueologia Bíblica têm grandes dificuldades em precisar onde ficavam as cidades e acidentes geográficos indicados na “Sagrada Escritura”; o conhecimento de que dispomos hoje, como a localização provável de Sodoma e Gomorra, por exemplo, veio de escavações empreendidas modernamente, e não do próprio texto bíblico que nada ensina a respeito, sequer exprime corretamente as distâncias de um ponto a outro da Palestina onde foi escrita, e sugere que a Terra seria plana:

 

Amós, Capítulo 9, versículo 6:

“Aquele que constrói seus aposentos no céu, e firma sobre a terra a abóbada celeste, aquele que convoca as águas do mar, e as derrama sobre a face da terra – ‘Senhor’ é o seu nome.”

 

Em o Novo Testamento, o “Evangelho Segundo São Marcos” é dos mais imprecisos em Geografia; um exemplo pitoresco que mostra qual é o valor dessa obra é o que adiante se transcreve.

 

S. Marcos, Capítulo 5, versículos 11 a 13:

“Ora, uma grande manada de porcos andava pastando ali junto do monte.

E os espíritos suplicavam-lhe: “Manda-nos para os porcos, para entrarmos neles”.

Jesus lhos permitiu. Então, os espíritos imundos, tendo saído, entraram nos porcos; e a manada, de uns dois mil, precipitou-se no mar, afogando-se.”

 

O absurdo desta estória é que ela se desenrola em Gerasa, como diz o versículo 1 do Capítulo 5 do “Evangelho Segundo São Marcos”, cidade esta que dista 64 quilômetros do Mar da Galiléia! Os “evangelistas” Mateus e Lucas repetem o mesmo conto, porém mudando o nome da cidade para Gadara, esta distante “apenas” 8 quilômetros do mar, distância que os suínos infestados por “demônios” teriam que percorrer para se precipitarem nas ondas e afogarem-se.

 

As fontes históricas da Bíblia são totalmente lacunadas, exatamente o oposto do que se deve fazer quando se estuda História. No Antigo Testamento, não é identificado, verbi gratia, qual seria o “Faraó do Êxodo”, não havendo consenso entre os especialistas sobre qual Faraó, se da XVIII, ou da XIX Dinastia, seria contemporâneo de Moisés, ressalvando o signatário, concessa vênia, a sua posição particular de que não houve um “êxodo” dos israelitas do Egito, inclusive porque a Palestina e o Sinai pertenciam à jurisdição do Egito no tempo em que teria vivido Moisés; assim, os israelitas teriam saído do Egito para entrar no Egito.

 

Já no “Evangelho Segundo São Lucas”, em seu Capítulo 2, versículos 1 e 2, acham-se duas insanidades que apenas por um “temor reverencial” os estudiosos deixam de as chamar assim:

 

“Naqueles tempos, apareceu um decreto de César Augusto, ordenando o recenseamento de toda a terra.

Esse recenseamento foi feito antes do governo de Quirino, na Síria.”

 

Não houve nenhum decreto do Imperador Octavio Augusto “ordenando o recenseamento de toda a terra”, e Quirino somente foi Procurador da Província da Síria (chamado de “governador” na tradução da Bíblia católica consultada pelo signatário) entre quatro a seis anos depois da data em que Jesus de Nazaré teria nascido (e ressalvando a posição do signatário desta de que Jesus não existiu, sequer como “Jesus histórico”, humanizado e à parte do “Jesus da fé”), e quando o Rei Herodes I, o Grande (este uma personagem histórica da qual existe bastante documentação que prova que existiu) já estava morto havia mais de dez anos. O governo de Quirino na Síria não foi contemporâneo do de Herodes na Judéia, assim, não é possível situar no mesmo momento histórico os governos de Herodes, Augusto e Quirino como se fossem simultâneos.

 

Dois versículos, duas incorreções. Nota zero para o “amado e glorioso médico” São Lucas, não sendo razoável que jovens em plena formação tenham seu discernimento prejudicado por leituras contendo erros históricos tão grosseiros, sendo essa imprecisão a que confundiu o monge Dionísio, o Pequeno, quando ele tentou calcular, no Século VI da Era Vulgar, a data do nascimento de Jesus Cristo, fixando-a no ano 753 da Fundação de Roma, o que hoje se se sabe ser incorreto.

 

Concedendo que Jesus de Nazaré (o “histórico”) tivesse existido (o que o signatário não aceita), hoje não sabemos sequer qual a data correta de seu nascimento, e afirmamos equivocadamente que estamos no ano de 2019; talvez estejamos em 2023 ou mais além, o que basta a ver no que resulta confiar na Bíblia, e a quanto vai a ignorância dos que vêem nela um guia de ciências; não existe dúvida, porém, de que estamos no anno urbis conditæ 2772, de modo que seria preferível retornar à cronologia dos romanos a contar da fundação da “Cidade Eterna”, e descartar a que se baseia no suposto nascimento de um bárbaro que teria terminado os seus dias na cruz.

 

Esses exemplos tirados pelo Representante ilustram a inconveniência de se levar livros religiosos para o ambiente escolar, onde se cuida que impere o senso crítico; nas igrejas e cultos religiosos, não se fica discutindo a veracidade ou incorreção do texto bíblico, porque as pessoas que comparecem a templos estão ali porque já acreditam no caráter “inspirado” ou até “revelado” dessas bisonhas escrituras, porém, colocar para estudantes que eles devem adquirir sua formação nas escolas públicas e privadas lendo a Bíblia, resultará em das duas, uma: ou o jovem em idade escolar aceitará como “verdade” o que está lendo, colocando a Bíblia no mesmo valor dos livros didáticos e para-didáticos, desta forma arruinando a sua chance de aprender alguma coisa, ou notará que está sendo enganado e quiçá desfrutado pelo sistema educacional, e adotará comportamentos de resistência escolar contra a “leitura bíblica”, que facilmente chegarão ao deboche e ao desrespeito, o que não deve ser tampouco a intenção do próprio legislador municipal ao elaborar a lei incriminada.

 

A lei impugnada, se não for retirada do ordenamento, ainda criará no Município de Campina Grande uma geração de fanáticos, digna de certos países orientais como o Afeganistão dos talibãs, onde o Alcorão é colocado no lugar dos livros didáticos, ou o Egito do Califa Omar (Século VII da Era Vulgar), que mandou incinerar todo o acervo da Biblioteca de Alexandria, porque “se ensina menos do que o Alcorão, é supérflua, e se ensina mais, é nociva”.

 

O fundamento (ou antes fundamentalismo) invocado na “Exposição de Motivos” do Projeto de Lei nº. 067/2018 que resultou na edição das normas incriminadas, de ser a Bíblia “o primeiro livro há [sic] ser impresso no mundo” é simplesmente pueril, além de ter o vereador escrito com erro de português (“há ser impresso”), o que bem mostra que se o Sr. Saulo Noronha tivesse estudado mais, não cometeria tal erro de sintaxe, nem apresentaria projeto de lei para instituir “leituras bíblicas” nas escolas que ele freqüentou apenas até concluir o ensino médio, segundo informações do Tribunal Superior Eleitoral, na base “Divulgacand”.

 

Os livros e a leitura não nasceram da imprensa, esta um simples processo mecânico de reprodução, aparecido quando a humanidade já tinha livros manuscritos por mais de quatro mil anos antes que Gutemberg imprimisse a sua Bíblia de Mogúncia em 1456, daí que se tomarmos como critério de valor a antiguidade na escrita da obra literária (e não apenas a antiguidade na impressão), a Bíblia certamente não foi o primeiro livro escrito no mundo, mais uma vez confirmando que textos nascem de textos e que a “revelação” ou “palavra de Deus” é apenas um decalque e um recorte de outros livros mais antigos, dos assírios e dos egípcios, como a “História dos Dois Irmãos” (época da XIX Dinastia Faraônica) que serviu de base, já no tempo dos Faraós Ptolomeus contemporâneos à Era Helenística, para a narrativa de José (filho de Jacó), no Egito (Gênesis, 39), citando apenas uma dentre centenas de obras escritas por meros homens, anteriores à “revelação”, e depois compiladas por quem se assinou sob os nomes supostos de “Moisés e de outros ditos “profetas” para compor a “palavra de Deus”.

 

Referida lei, portanto, padece de vício formal, uma vez que somente o Poder Executivo poderia baixar normas para serem seguidas por escolas públicas, todas elas vinculadas à Secretaria Municipal de Educação; além disso, mesmo que a lei impugnada fosse de iniciativa do Prefeito de Campina Grande, ainda seria inconstitucional, agora materialmente, porque nem mesmo o Prefeito pode passar por cima do ESTADO LAICO.

 

O princípio da Laicidade Estatal, insculpido no artigo 6º., § 6º., inciso I da Constituição do Estado da Paraíba também se encontra violado, uma vez que não é lícito ao agente público favorecer ou insuflar qualquer prática religiosa, ainda que dissimulada por intermédio de se agasalhar a um livro usado por n confissões.

 

De qualquer modo, causa espanto que a lei impugnada não traga nenhum destaque para exemplares do Rig-Veda, do Avesta, do Tripitaka, do Alcorão, para citar apenas os mais conhecidos que embasam as religiões hinduísta, zoroatrista, budista e muçulmana, desta forma ignorando os livros sagrados de outras crenças e valorizando apenas o texto fundamental das religiões de matriz judaico-cristã, o que esvazia a alegativa de que a Bíblia seria ensinada nas escolas públicas e privadas por ser algo “cultural”, visto que as normas municipais incriminadas sequer cuidam de abranger toda a cultura religiosa que tem acompanhado a Humanidade, concedendo que não fosse também inconstitucional substituir um proselitismo singular (judaico-cristão) por uma catequese plural (todas as religiões), o que desatenderia flagrantemente ao Princípio da Laicidade.

 

Naturalmente que não se quer com isso negar a quem é religioso o direito de estudar a Bíblia em sua igreja ou residência, assim como cometer o suicídio também não é crime e não se pode proibir pessoa adulta e capaz de colocar a cabeça embaixo das rodas do bonde.

 

Entretanto, esse direito dos religiosos de estudar a Bíblia deve ser exercido nas suas respectivas igrejas e outros locais de culto religioso, aonde podem ir livremente; nunca, porém, dentro de escolas (públicas e privadas) que são áreas de uso comum do Povo, e menos ainda, impondo às instituições particulares que satisfaçam ao orgulho dos religiosos que só se sentem seguros de seu próprio poder sobre as pessoas quando vêem os símbolos de suas crenças pesando sobre a liberdade de crentes e não-crentes.

 

Porventura os Tribunais obrigam a que as testemunhas prestem juramento com a mão em cima da Bíblia? Se quem vai depor no Plenário do Júri não é obrigado a fazer isso, do mesmo modo, os Poderes Públicos (Legislativo e Executivo) não podem obrigar a quem quer que seja a participar de “leituras bíblicas” no ambiente escolar.

 

IV — DO PEDIDO:

 

Pelo exposto, REQUER o Representante que o Exmo. Sr. Dr. Procurador Geral de Justiça proponha Representação de Inconstitucionalidade perante o Tribunal Pleno do TJ/PB, na forma do artigo 203 e seguintes do seu Regimento Interno, em face da totalidade da Lei Municipal nº. 7.280, de 17 de Julho de 2019, do Município de Campina Grande, originada do Projeto de Lei nº. 067/2018, de autoria do Vereador Saulo Noronha, por malferir os artigos 1º, 6º., caput e § 6º., e 63, § 1º., inciso II, alínea “e”, todos da Constituição do Estado da Paraíba.

 

Protesta-se pela expedição de ofício à Câmara Municipal de Campina Grande requerendo que entregue a este órgão ministerial (PGJ) cópia integral do Projeto de Lei nº. 067/2018, que resultou na Lei M 7.280/2019, como prova de que houve o noticiado vício de iniciativa.

 

Termos em que

Espera Deferimento.

 

Do Rio de Janeiro (RJ) para João Pessoa (PB), 15 de Outubro de 2019.

 

_____________________________

Eduardo Banks dos Santos Pinheiro

Representante